quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

NENHUM HERÓI USA CAPA

a referência do ser
perdi no pó
sem memória
a identidade é um fenômeno geométrico

cravos bem temperados
espalhados a Oeste do drama
e a Leste do esquecimento
emitem notas fúnebres

e os macacos choram o corpo caído no espelho

no país das maravilhas
o submundo é apenas um
dos muitos infernos
nenhum herói usa capa quando se trata de encarar o medo

as sementes das rosas
deram vermes
vejo no ar o pedregulho
que um dia foi sol

e hoje serve de morada aos urubus

e aproveito a deixa
saio de cena
recolhendo a sombra
e o passado marginal
aonde a longa escadaria nunca foi do castelo
e serve ao tribunal do crime e do castigo macabros
como eu sirvo ao sonho em que o estranho anjo de asas sangradas
planta linguagens inconcebíveis no canteiro em que minhas mãos
aparecem penduradas nos caules das generalidades sem nome
eu ainda consigo enxergar os passamentos,
ainda que as retinas de vidro expressem desenhos orientais
um demônio com a face do delírio guarda a porta do túmulo
que na verdade é o palacete da emancipação das coisas podres
aonde espero, apenas, espero o derradeiro choque
da personalidade que mesmo morta, diz com exatidão
o que ainda sou e um dia farei mais que ser

Erico y Alvim

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

TRAIO A MIM MESMO SE NÃO ARRUMO UMA QUALQUER

Jogo palavras cruzadas
com o Apocalipse

só sei que o meu Bem
é tão Mal quanto o crime

cornices alimentam a fé rasteira,
meu bem, paixão demais é besteira,
porque hoje romance é desdenhar da vida alheia

sonhos enchem de cor o cogumelo e o cipó,
não preciso de almoço ou dó,
você procura crédito e roupa de marca,
traio a mim mesmo se não arrumo uma qualquer
num botequim de estrada,
despida armadura de rei - calcei as botas de viajante
saltando a janela do motel
aonde só o espelho entende a mensagem
de álcool e porrada do nosso amor maldito, neném

Erico y Alvim

MEU NOME DE BABY

p'ra caralho é só blues
com a cara cheia
de whisky e porrada

não interessa
quantas putas bolivianas
carreguem a chave da cadeia

embaixo da sunga
a navalha e a conta bancária
e nenhum documento

repete o refrão do nome meu

quem disser azul é o céu
digo não entende nada
vezes nada meu amor

mas se quiser
meu nome de baby
pago até gritar de dor

quem patina no trilho do trem
é só um engano que ficou
em casa por favor

venha mais vezes
tenho prazer em beber da alma
só assim meus olhos enchem de cor

Erico y Alvim

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

MOTORISTA da LUA

É na rua que eu lhe vejo
sem-sentido mulher de avessos,
olhando a história do céu
você lembraria
do tempo que rebeldia
passava perto nossos caminhos.
Quando andávamos na lama
saber o percurso do sol fazia
a gente acreditar os ninhos
dos deuses estavam a ponto de cair
as leis do mundo seriam pregadas
por nossas mãos livres de correntes
e nem de longe suspeitávamos um do outro,
éramos viajantes e a estrada nosso espelho sem imagem

Tão fortes as certezas que o vento era nosso aliado,
tão fortes as certezas que a chuva regava nossas sementes,
tão longos os caminhos - nossos carros sempre a sair,
mas logo o mundo ficou real os caminhos eram sem rumo.

Quando você me vir de novo
saiba que eu sou outro,
acorrentado ao caminho errado
ando pelas ruas rasgado de frio
e não reconheço ninguém,
quando paro na estrada
é para ver que o tempo
me fez esquecer de mim,
guiar sob os mistérios da lua
é o destino dos perdidos
vou embora, sou dos viajantes
o que se despede dos sonhos
lavando o rosto no rio ao luar

a verdade crua
quando é dia sou apenas pó
de noite motorista da lua

domingo, 21 de agosto de 2016

ÚLTIMO DESEJO

Venham,
abandonem os carros no acostamento
e nas calçadas, atirem os dentes
e as carteiras no lixo, lamento
e delírio arrombem os cemitérios,
meu corpo permanecerá inerte
alegremente defunto

Meus olhos sirvam de lagoas podres
às borboletas, troquei a estrada
pela sombra, que o meu sangue
alimente os porres loucos dos mendigos
cansei de equilibrar na cólera o sol,
pelas chamas das velas subirei
quem sabe aonde?

Não quero mais viver os meus limites,
extrapolei de vez – melhor o fim,
abro as asas e, trapo de anjo do cortiço
e encontro no esquecimento alívio
deixando como último desejo
uma tocha com o sorriso da amada
espalhando cinzas do que restou dos sonhos
na entrada do meu túmulo vazio

sábado, 25 de junho de 2016

VESÚVIOS

Alegria guia magia
o fogo é uma jóia
da lágrima do olho celestial
vendo você tão mulher

todo querer completa a moeda
a imagem da amada
abre eternidades viris
quando metrópoles precipitam querubins temporários
nos matagais lancinantes
do sexo que só você imageneia
o delírio impõe
radicalidades orais
quando o rock é um deus teimoso
metalurgiando vesúvios
na busca da brasa permanente acesa na coroa do Amor
quando o grito que conta
sacudiu a única intimidade da petulância e do desfavor
aonde a sobra de alimentos é indigna
e o herói é um tipo criminal
eu nada mais tenho a fazer
mas singro os mares cravando velas gigantescas nos pontos cardeais
p'ra que a última declaração do meu Amor por você
faça ao mundo o sentido que um dia sonhei
pois sequer existo depois do Adeus que você me deu


Erico y Alvim

SUDÁRIO

velhas caminhadas e as novas
não dizem nada muito menos
quem é o quê

cigarro de palha enche o saco
maria fumaça é história
p'ra velho dormir
sonhando cara de boi

falo uma língua universal
mas a cara é sempre de chinês
porque o pó da estrada
é só uma letra de canção
saber a hora de partir
é viver odisseias pessoais

de hoje em diante
vago
sem outra bota
do que a de pisar fora
e apenas deixo lembrança
no papel amassado do bilhete breve
o eletrônico em mim
é o anjo que bateu asas
p'ra longe da loucura planetária
e caiu numa lua sem halo
aonde esquecer é pintar o sonho
no sudário


Erico y Alvim