quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

NENHUM HERÓI USA CAPA

a referência do ser
perdi no pó
sem memória
a identidade é um fenômeno geométrico

cravos bem temperados
espalhados a Oeste do drama
e a Leste do esquecimento
emitem notas fúnebres

e os macacos choram o corpo caído no espelho

no país das maravilhas
o submundo é apenas um
dos muitos infernos
nenhum herói usa capa quando se trata de encarar o medo

as sementes das rosas
deram vermes
vejo no ar o pedregulho
que um dia foi sol

e hoje serve de morada aos urubus

e aproveito a deixa
saio de cena
recolhendo a sombra
e o passado marginal
aonde a longa escadaria nunca foi do castelo
e serve ao tribunal do crime e do castigo macabros
como eu sirvo ao sonho em que o estranho anjo de asas sangradas
planta linguagens inconcebíveis no canteiro em que minhas mãos
aparecem penduradas nos caules das generalidades sem nome
eu ainda consigo enxergar os passamentos,
ainda que as retinas de vidro expressem desenhos orientais
um demônio com a face do delírio guarda a porta do túmulo
que na verdade é o palacete da emancipação das coisas podres
aonde espero, apenas, espero o derradeiro choque
da personalidade que mesmo morta, diz com exatidão
o que ainda sou e um dia farei mais que ser

Erico y Alvim

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